terça-feira, 24 de maio de 2011

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A ilusão da velocidade

“Nós afirmamos que a magnificência do mundo enriqueceu-se de uma beleza nova: a beleza da velocidade”
“O Tempo e o Espaço morreram ontem. Nós já estamos vivendo no absoluto, pois já criamos a eterna velocidade onipresente.”
Filippo Tommaso Marinetti – Manifesto Futurista, Le Figaro 20 fevereiro 1909

Qual o efeito prático do incremento da velocidade sobre a mobilidade nas cidades?

Segundo a física, a velocidade é uma relação matemática entre espaço e tempo. Neste sentido, a conquista da velocidade absoluta nos permitiria decretar a morte do Tempo e do Espaço, conforme preconizaram os Futuristas. Porém, a velocidade não é absoluta, tampouco onipresente. Na realidade, o que existe são diversas medidas de velocidade.

Poderíamos falar da velocidade tecnológica[i], aquela limitada apenas pelas restrições da máquina. Neste caso, o título de veículo de passageiros mais veloz em deslocamentos regulares coube, por muitos anos, ao avião Concorde, aposentado no ano de 2003, que transitava a uma velocidade de cruzeiro superior a 2.100 km/h.

Restringindo o estudo da mobilidade ao universo urbano, de uma maneira geral, a velocidade máxima permitida pela legislação nas áreas urbanas se situa em 90 km/h e é alcançada pelos automóveis, trens e metrôs.

Entre os estudiosos de planejamento dos transportes já existe o reconhecimento de que a velocidade tecnológica sofre e muito com as limitações do meio urbano e da legislação. Dessa forma, ao longo do tempo foram inventadas e aplicadas diversas tecnologias que ajudaram a incrementar consideravelmente a velocidade comercial dos meios de transporte urbano, ou seja, a velocidade média alcançada durante o trajeto deste.

Existe, ainda, uma medida de velocidade que dificilmente é lembrada: a velocidade porta a porta[ii]. Trata-se da velocidade média de todo o trajeto entre a origem e o destino, e ela não depende apenas das velocidades tecnológicas e operacionais.

A física nos ensina que dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço, e por questões de segurança, o consumo de espaço é proporcional à velocidade.  A tentativa de adequar o meio urbano à alta velocidade, transformando ruas em avenidas e vias expressas, consome muito espaço e tem pouco efeito prático sobre a velocidade porta a porta.

A alta velocidade no meio urbano só traz uma ilusão de eficiência. Atualmente, a velocidade média dos deslocamentos urbanos no mundo se situa no patamar de 15km/h para os deslocamentos em transporte privado e em 10km/h no transporte público.

Assim como os Futuristas no passado, grande parte dos planejadores urbanos ainda vive a fantasia da velocidade onipresente. Vivemos hoje a ilusão da velocidade, andamos cada vez mais rápido durante breves instantes e, para isso, consumimos muita energia e espaço.

Dessa forma, é preciso recordar que quase a totalidade dos deslocamentos urbanos inclui um trecho não motorizado, normalmente realizado a baixas velocidades. Portanto, a melhor forma de incrementar a velocidade média dos deslocamentos porta a porta passa pela preocupação em tornar mais rápidos os deslocamentos a baixas velocidades e diminuir o chamado tempo morto, ou seja, aquele em que não há deslocamento.


[i] Conforme MIRALLES-GUASH Carme. 2002. Ciudad y transporte: El binomio imperfecto. Barcelona: Ariel Geografía.
[ii] Ibdem.

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